RESUMO
Este trabalho discute as questões envolvidas na Construção da Narrativa e no Raciocínio Lógico- Matemático abordadas por um Educador que superou o seu tempo inovando e reinventando métodos para o ensino destas disciplinas. Mostra que através da Autonomia é possível incentivar os alunos a se envolverem efetivamente no processo de aprendizagem de uma forma interdisciplinar e prazerosa, tendo em vista que muitos alunos não conseguem associar a matemática com a língua Portuguesa. Finalmente, enfatiza a importância de Educadores pensarem em novas soluções para os antigos problemas destas disciplinas, a exemplo do Educador Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), assegurando a autonomia de seus educandos.
Palavras-chave: Júlio César de Mello e Souza; Autonomia; Narrativa; Matemática; Aprendizagem.
Abril, 2008
1 - INTRODUÇÃO
O ensino da Matemática e da Língua Portuguesa, muitas vezes, não são considerados pelos alunos, ou pelos próprios professores, inter-relacionados em sua plenitude, talvez pela sua complexidade ou por serem considerados distintos.
Porém, o Educador brasileiro Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), em sua Metodologia única e inovadora para sua época, conseguiu estabelecer uma correlação entre as duas disciplinas, sendo admirado por sua autonomia e pelo desenvolvimento da autonomia de seus alunos, assegurando-lhes sua aprendizagem.
Pretende-se com esta pesquisa, divulgar o método de ensino deste educador, suas obras relevantes para a Educação, contribuir para o conhecimento de futuros educadores e demonstrar que a autonomia se faz necessária no processo de aprendizagem.
2 – PEQUENA BIOGRAFIA DE JÚLIO CÉSAR DE MELO E SOUZA OU ‘MALBA TAHAN’
Segundo VILLAMEA (1995, P. 9-13), Júlio César de Mello e Souza, era filho de professores, tinha oito irmãos, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 06 de maio de 1895, faleceu dia 18 de junho de 1974, em Recife.
Freqüentava as tertúlias onde costumava contar histórias. Suas histórias tinham às vezes muitos personagens, alguns deles com nomes esquisitos como Mardukbarian, Protocholóski, Orônsio e outros sem função no contexto.
Júlio César ingressou no Colégio Militar do Rio de Janeiro em 1906, onde permaneceu até 1909 quando se transferiu para o Colégio Pedro II. Não foi bom aluno de matemática no Colégio Pedro II: chegou a tirar dois em uma sabatina de álgebra e cinco em uma prova de aritmética. Criticava veementemente a didática da época que classificava como o detestável método de salivação.
Vocacionado para o magistério, concluiu o curso de professor primário na Escola Normal do antigo Distrito Federal e, depois se diplomou em Engenharia Civil pela Escola Politécnica em 1913.
Iniciou suas atividades profissionais como servente e auxiliar interino da Biblioteca Nacional, privilegiada oportunidade de conviver com milhares de livros. A sua carreira de professor começou nas turmas suplementares do Externato do Colégio Pedro II. Depois, assumiu a docência na Escola Normal. Lecionou para menores carentes. Tornou-se mais tarde catedrático do Colégio Pedro II, do Instituto de Educação, da Escola Normal da Universidade do Brasil e da Faculdade Nacional de Educação, onde recebeu o título de Professor Emérito.
Durante seus quase oitenta anos ministrou cursos e ministrou mais de duas mil palestras para professores e estudantes, especialmente normalistas. Em 1954 esteve em Fortaleza proferindo palestras no Colégio Militar, no Instituto de Educação e no Clube Líbano.
Publicou ao longo de sua vida cerca de 120 livros sobre Matemática Recreativa, Didática da Matemática, História da Matemática e Literatura infanto-juvenil, atingindo tiragem de mais de dois milhões de exemplares. Seu primeiro livro - Contos de Malba Tahan - foi publicado em 1925.
Sua obra mais popular, O Homem que Calculava (mais de 40 edições) conta a história de um árabe que em suas andanças pelo deserto usa a matemática para resolver problemas característicos da cultura árabe. Foi premiada pela Academia Brasileira de Letras quando de sua 25ª edição em 1972. Traduzida para vários idiomas, foi editada nos últimos cinco anos na Espanha, EUA e Alemanha.
Malba Tahan ocupou a cadeira número 8 da Academia Pernambucana de Letras, é nome de escola no Rio de Janeiro. A homenagem mais importante foi prestada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro instituindo o dia do matemático na data de seu nascimento, dia 06 de maio.
2.1 - A METODOLOGIA DO EDUCADOR
De acordo com SALLES (1995, p. 4-7), nas aulas, trabalhava com estudo dirigido, manipulação de objetos e propôs a criação de laboratórios de matemática em todas as escolas.
Em seu depoimento no Museu da Imagem e do Som, Júlio César admitiu não dar zeros: “Por que dar zeros se há tantos números? Dar zero é uma tolice”. Encarregava os melhores da sala para ajudarem os mais fracos. Com isto, até meados do ano, todos os alunos estavam na média. Utilizava recortes de revistas e de jornais, provas, e pedia para os alunos colarem em seus cadernos. Dizia que o caderno era o reflexo do aluno.
O seu pseudônimo “Malba Tahan” (o Moleiro de Malba), demonstra bem como ele lecionava. Fantasiava-se, às vezes com exagero, contrariando os tradicionalistas e contava histórias inventadas por ele mesmo. “Os números e as propriedades numéricas eram para ele como seres vivos”. SALLES (1995, p. 6). Tudo era motivo de animação e diversão. As crianças aprendiam brincando.
Ele narrava histórias, despertando o interesse dos alunos e ensinava matemática, através da narrativa de histórias, jogos e enigmas. Os erros não o incomodavam porque ele sabia que a matemática tinha que ser descoberta e os erros ajudava a descobrí-la.
Malba Tahan foi o precursor de uma nova tendência que se afirma com vigor e tem adeptos em todo o Brasil: a Educação Matemática. Porque antes dele, a matemática estava veiculada à Álgebra, a Aritmética e a geometria. Pioneiramente trabalhou com a História da Matemática, defendeu com veemência a resolução de exercícios sem o uso mecânico de fórmulas, valorizando o raciocínio e utilizou atividades lúdicas para o ensino da matemática. Muito antes de se tratar no País da interdisciplinaridade, Malba Tahan preocupou-se com a unificação das ciências sendo objeto de estudo em vários países e teses.
Em seu livro “O Homem que Calculava”, ele conta histórias que envolvem problemas matemáticos de uma forma muito interessante: cada história apresenta um problema a ser resolvido, uma é seguimento da outra e conseqüência da próxima, despertando a curiosidade de continuar lendo; a fantasia que envolve o leitor é simplesmente fantástica, permeando a mente de crianças e jovens; e a solução dos problemas pode ser resolvida de várias maneiras lógicas, pelo raciocínio, apresentando no final do livro a resolução pelas fórmulas.
“Bem aventurados os contadores de histórias infantis, pois eles alegram, educam, distraem as crianças e são por elas estimados e sempre relembrados.” MALBA TAHAN (1956, p.01). E suas histórias refletem muito bem esta sua teoria. São contos, ora fantasiosos, ora realistas, mas todos escritos do modo como se deve contar uma história. Ao lermos seus contos, sentimo-nos como a própria criança ouvindo uma história bem contada, com uma linguagem simples e cheia de significados. Não com fundos moralistas, mas sim com mensagens de boa conduta, atitudes e virtudes:
“Você sabe como apareceu o arco-íris? Vou contar. Preste atenção: Além muito além daquelas montanhas que aparecem ao longe, havia um país imenso, cheio de rios e florestas, chamava ‘ O País do Tempo’. (...). Faça, pois, cada um, o bem que puder, pois só pela prática do bem é que as criaturas serão felizes e estimadas por todos. O sapo é feio, mas é útil.” MALBA TAHAN (1956, P. 56, 79).
Toda criança fantasia, aprecia contos de fadas. Esta foi uma maneira que ele encontrou para conseguir lecionar e efetivar a aprendizagem de seus alunos: muita criatividade, paciência e imaginação.
2.1 – A NARRATIVA E O RACIOCÍNIO LÓGICO-MATEMÁTICO
De acordo com NASPOLINI (1996, P.132), a narrativa é um tipo de texto que pode e deve ser aprofundado na sala de aula, uma vez que as crianças demonstrem interesse por ela. Mas a função primordial da narrativa é desenvolver o raciocínio lógico da criança. Podem-se usar slides, filme, texto poético, para estimular a narrativa.
Todos os elementos da narrativa estão presentes tanto na narrativa ao público adulto, quanto ao infantil. Porém para as crianças, as narrativas são mais curtas, possuem atrativos como: humor, suspense, medo, estilo despojado, distanciando-se cada vez mais do tom moralizador e desestimulador de preconceitos. CUNHA (2002, p. 14).
SILVEIRA (1998, p. 54) cita COMENIUS, que provavelmente foi o primeiro pedagogo a apontar a necessidade de usar meios de ensino no processo docente, na sua ‘Didática Magna’.
“Para aprender tudo com mais facilidade deve-se usar o maior número de sentidos, o ouvido com a vista e a língua com a mão. Não somente recitar aquilo que se deve saber para que os ouvidos o recolham, mas desenhando-o também para que se imprima na imaginação pelos olhos.”
A Teoria das Inteligências Múltiplas foi elaborada por Gardner a partir da década de 80. Segundo RADICCHI (2003, p. 27), a Inteligência Lógico-matemática determina a habilidade para o raciocínio dedutivo, para a compreensão de cadeias de raciocínio, além da capacidade para solucionar problemas envolvendo números e demais elementos matemáticos.
2.2 - AUTONOMIA
Temos em KAMII (1980, p. 103), um significado bem simples para Autonomia: “(..) ser governado por si próprio. É o contrário de heteronomia, que significa ser governado por outrem”. Ainda de acordo com a autora, que cita PIAGET (1980, p. 106), o que diferencia uma criança tornar-se autônoma ou heterônoma é a atitude de pais e educadores que reforçam esta heteronomia com castigos e recompensas e estimulam a autonomia quando intercambiam pontos de vista com elas. Pois a punição fará com que a criança repita o ato, mas com o cuidado de não ser descoberta, ou tornam-se conformistas, ou ainda, se revoltam. Para desenvolvermos sua autonomia, devemos reduzir nosso poder de adultos. A autora ainda comenta que exemplos de autonomia seria Copérnico ou qualquer outro inventor de uma teoria revolucionária na História ou na Ciência.
Quando uma criança precisa explicar o seu raciocínio, de um resultado errado, ela corrige-se de modo autônomo, porque ela tenta mostrar seu ponto de vista com o de outro, dando conta de seu próprio erro. E esta coordenação de ponto de vista com colegas, é mais eficaz que a correção feita pelo professor.
As crianças que são desencorajadas a pensarem autonomamente construirão menos conhecimento que aquelas autoconfiantes.
3 – METODOLOGIA
Para o desenvolvimento deste artigo foram selecionadas algumas obras sobre o Educador Júlio César de Mello e Souza e outras obras concernentes aos assuntos abordados. Após leitura por alguns anos sobre o autor, análise da teoria comparou-se a sua metodologia de ensino com as metodologias aplicadas atualmente, inclusive as teorias de grandes autores da Educação. O tema foi dividido em três fases, nas quais se relatou a biografia resumida do autor, bem como sua metodologia, uma pequena análise sobre autonomia, raciocínio lógico-matemático e narrativa, e como resultado da análise, fez-se uma comparação entre os tópicos abordados, resultando em um relatório final.
4 - RESULTADOS E DISCUSSÕES
Segundo PELLEGRINI (2001, p. 19-23), as idéias dos grandes pensadores e estudiosos da educação, está reunida nos PCN’ em:
· FERREIRO: escreveu em 1979 a “Psicogênese da Língua Escrita”, um marco na área da Alfabetização, em que a criança passa por quatro estágios.
· FREINET: cantinhos pedagógicos, trocas de correspondências, trabalho em grupo, aulas-passeio, foram idéias defendidas por ele na década de 20, na França.
· FREIRE: escreveu em 1964, a “Pedagogia do Oprimido”, em que a educação seria um ato político, cujo resultado seria a relação de domínio ou liberdade de uma pessoa.
· GARDNER: lançou no Brasil, a “Teoria das Inteligências Múltiplas”, escrito há dezoito anos nos estados Unidos.
· PIAGET: sueco, lançou em 1923 “A Linguagem e o Pensamento”, em que a criança se desenvolve pela sua relação com o meio.
· VYGOTSKY: o bielo-russo que na década de sessenta, sua obras destacavam a interação social para o desenvolvimento do ser humano.
Pretendo com estas datas, destacar o pioneirismo de Júlio César de Mello e Souza, que utilizava os mais variados métodos para atingir um objetivo: ensinar. Vemos nos seus métodos, uma interação entre o português e a matemática, que segundo os autores citados, não há como serem desvinculados. Se o aluno aprende o português, então o professor pode atingir esta mesma prática na matemática.
Os grandes pensadores deixaram grandes construções pedagógicas para a educação, que são seguidas em todas as escolas. Mas o nosso brasileiro, não costuma ser muito mencionado nas escolas. Até mesmo alguns professores de matemática, ignoram sua existência, ou desconhecem seus feitos. Acredito que se os métodos deste educador fossem respeitados, ou pelo menos mais divulgados, estaríamos há muito tempo, praticando uma boa parte dos métodos destes pensadores, pois muitas de sua idéias e práticas, são encontradas nestas teorias. Principalmente as que envolvem o raciocínio lógico, como cita NASPOLINI, através da narrativa. Ou a relação de liberdade, defendida por FREIRE; o desenvolvimento da criança com o meio, como ensina PIAGET; e ainda o desenvolvimento das inteligências múltiplas, em especial neste este artigo, a lógico-matemática, conforme GARDNER.
Este método do educador Júlio César, aplicado autonomamente na década de 20, em um momento de repressão brasileira, que desvalorizava obras brasileiras, foi um marco na nossa história. É um exemplo de que o educador pode e deve ultrapassar fronteiras, sem que com isto agrida o intelecto do aluno, ou seu ambiente escolar. Estar um passo à frente do ensino, como Júlio César, pode ser impossível, porque a cada dia têm-se novas descobertas. Mas estar a vários passos de nossos antigos costumes, que por vezes nos prendem a um protótipo, ou deixar o aluno avançar vários passos à sua frente, pode ser uma solução para aplicação de antigos métodos, com novos conceitos. Ou seja, o desenvolvimento da autonomia do educador e do educando.
5 - CONCLUSÃO
Não tenho o objetivo pretencionista de confrontar o Educador Júlio César com grandes educadores, reconhecidos mundialmente. Apenas gostaria de ressaltar a sua autonomia, sua audácia em educar e conseguir mediar o conhecimento, através da simplicidade, da criatividade e da fantasia, quando muitos não conseguiam sequer, motivar seus alunos. Com a grande vantagem deste produto ser genuinamente brasileiro, embora não tão reconhecidamente.
Como a imaginação e a criatividade são inerentes à criança, cabe ao professor, de uma forma autônoma, propiciar condições para que esse talento não se iniba ao longo de sua vida, mas sim, que floresça o conhecimento e a habilidade em aplicá-lo em benefício da natureza. A criança, por natureza, apresenta o viver imaginativo-criativo espontaneamente, e se o professor não trabalhar sua autonomia, este viver se limita dificultando sua aprendizagem, porque ela, interativamente, está sempre pesquisando todas as coisas no seu conviver.
As dificuldades encontradas por alunos e professores no processo ensino-aprendizagem da matemática e na construção da narrativa, são muitas e conhecidas. O aluno, muitas vezes, não consegue entender a matemática relacionada com o Português, sente dificuldades em utilizar o conhecimento ‘adquirido’. Em síntese, não consegue efetivamente ter acesso a esse saber de fundamental importância. O professor, por outro lado, consciente de que não consegue alcançar resultados satisfatórios junto a seus alunos e tendo dificuldades de, por si só, repensar satisfatoriamente seu fazer pedagógico procura novos elementos - muitas vezes, meras receitas de como ensinar determinados conteúdos – sem, contudo, inovar as velhas receitas da arte de ensinar.
A autonomia se desenvolve e se consolida na medida em que o sujeito adquire confiança em sua capacidade de raciocinar e justificar sua forma de pensar e amplia-se quando o indivíduo chega a convicção de que a matemática e seus problemas têm sentido, são lógicos e, até divertidos, assim como o Português pode ser uma fantasia deliciosa de se realizar. E é através desta convicção, que espero incentivar colegas educadores a conhecerem profundamente as obras deste grande educador, e como ele, desenvolver sua autonomia e a de seus alunos.
6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Maria Antunes da. Mergulhando na leitura literária. Belo Horizonte, MG: SEE: Lições de Minas, v.2, 2002.
CAPELLER, Leon; COELHO, Paulo Tarso; SILVEIRA, M.H. Educação no Olhar. In: Salto para o futuro. Brasília, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, V. 1, 1998.
KAMII, C. A criança e o número. Campinas, S.P: papirus, 1990.
NASPOLI, A. T. Narrativa In: Didática de Português. São Paulo: FTD, 1996.
PELLEGRINI, D. Aprenda com eles a ensinar melhor. Revista Nova Escola. Ano XVI, nº 139, p. 18-25. São Paulo: Fundação Victor Civita, 2001.
RADICCHI, E. R. V. Novas tendências metodológicas na arte de ensinar. Consultoria Técnica Educacional. Belo Horizonte: CTE, 2003.
SALLES, P. O homem que calculava. Revista Ciência Hoje da Criança. Ano 8, nº 54. Rio de Janeiro: SBPC, 1995.
VILLAMEA,L. Malba Tahan, o genial autor da sala de aula. Revista Nova Escola. Ano X, nº 87. São Paulo: F. V. C, setembro, 1995.
TAHAN, Malba. Paca tatu. Rio de Janeiro: Conquista 1956.
____________. O homem que calculava. Rio de Janeiro: Editora Afiliada, 1999.
Roseli da Costa Silva
[1]:
[1] Sistema Aberto de Educação – SABE- Pólo: Varginha, MG.
Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS – Letras – 1º período
Bibliotecária Escolar – Escola Municipal “Francisco Diniz” – Luminárias, MG.